Anvisa mantém proibição ao cigarro eletrônico no país
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou hoje, em 19 de maio, sua decisão de manter a proibição dos cigarros eletrônicos no território brasileiro. Como resultado, continua sendo proibida a comercialização, fabricação, importação, transporte, armazenamento e propaganda desses produtos. Os cinco diretores da agência votaram unanimemente a favor da manutenção da proibição, que está em vigor desde 2009.
Os dispositivos eletrônicos para fumar, também conhecidos como cigarros eletrônicos, possuem diversas denominações, tais como vape, pod, e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar e heat not burn (tabaco aquecido).
Com essa decisão, a Anvisa ressalta que qualquer forma de importação desses produtos está proibida, inclusive para uso pessoal ou quando transportados na bagagem de mão de viajantes.
Segundo a agência, a regulamentação não abrange o uso individual dos dispositivos, mas proíbe seu uso em ambientes fechados de uso coletivo. O não cumprimento dessa medida é considerado uma infração sanitária, sujeita a penalidades como advertência, interdição, recolhimento dos produtos e aplicação de multas.
Dados do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel 2023) revelam que, mesmo sem autorização para venda, cerca de 4 milhões de pessoas já experimentaram cigarros eletrônicos no Brasil.
Relator
A decisão de manter a proibição dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), popularmente conhecidos como cigarros eletrônicos, foi apoiada pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Durante a votação, Barra Torres destacou a importância da consideração dos impactos na saúde, bem como das questões relacionadas à produção, comercialização, armazenamento e transporte desses produtos. Ele ressaltou que, com base nas evidências ratificadas pela diretoria em 2022, a proibição se mantém de acordo com a votação ocorrida.
Ao longo de aproximadamente duas horas, Barra Torres leu pareceres de 32 associações científicas brasileiras, além das posições dos Ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da Fazenda. Ele também mencionou os resultados da consulta pública realizada entre dezembro de 2023 e fevereiro deste ano, embora os argumentos apresentados não tenham influenciado as evidências previamente estabelecidas pela diretoria.
O relatório de Barra Torres baseou-se em documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da União Europeia, bem como nas decisões do governo belga de proibir a venda de todos os produtos de tabaco aquecido com aditivos que alteram o cheiro e o sabor. Ele também mencionou que, esta semana, o Reino Unido aprovou uma lei que proíbe a venda de cigarros para menores de 15 anos nascidos após 1º de janeiro de 2009.
Além disso, Barra Torres citou a existência de comércio ilícito desses produtos, mesmo com as medidas de fiscalização impostas pela agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (U.S Food and Drug Administration).
O diretor apresentou ainda propostas de ações para fortalecer o combate ao uso e à circulação dos dispositivos eletrônicos de fumo no Brasil.
Manifestações pela proibição
Durante a reunião da diretoria da Anvisa, foram apresentadas diversas opiniões a favor e contra a manutenção da proibição do consumo de dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. Foram exibidos 80 vídeos de indivíduos e entidades de diferentes nacionalidades.
A maioria dos argumentos favoráveis à manutenção da proibição se relacionou aos danos à saúde pública. Adriana Blanco, secretária da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e seus Protocolos (Coniq) da Organização Mundial da Saúde (OMS), expressou preocupação com a saúde pública nos países que permitiram o consumo desses produtos, bem como com as estratégias de marketing da indústria do tabaco, especialmente em relação ao aumento do consumo entre os jovens.
“Evidências já nos mostram que não há uma resposta clara sobre os impactos de longo prazo do uso desses dispositivos ou da exposição aos seus aerossóis, mas sabemos que não estão isentos de riscos e são prejudiciais à saúde humana, especialmente para crianças, jovens e grupos vulneráveis.”
Socorro Gross, representante da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, destacou que o Brasil é reconhecido internacionalmente por sua política interna de controle do tabaco desde o século passado. “Essa medida protege vidas, promove efetivamente a saúde pública e é um passo crucial para um ambiente mais saudável e seguro para todos.”
Hisham Mohamad, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), comparou o agravamento da situação epidemiológica e o aumento do contrabando em mais de 100 países onde a comercialização desses produtos foi permitida. “Observamos uma grande dependência, especialmente das novas formas de nicotina empregadas pela indústria. E em lugares onde foram permitidos, como nos Estados Unidos, a maioria dos produtos vendidos no comércio é ilegal.”
José Agenor Álvares da Silva, ex-diretor da Anvisa e ex-ministro da Saúde (2006-2007), relembrou o contexto em que o Brasil proibiu a adição de flavorizantes que atraem os jovens para o consumo de tabaco e restringiu a propaganda de produtos fumígenos nos pontos de venda. “A Anvisa, que foi um exemplo na discussão das vacinas contra a Covid, tem agora a oportunidade de mostrar seu compromisso com a saúde pública do povo brasileiro para o Brasil e o mundo”, apelou à diretoria da agência.
Letícia de Oliveira Cardoso, diretora de análise epidemiológica e vigilância de doenças não transmissíveis do Ministério da Saúde, afirmou que não existem estudos científicos que comprovem que os cigarros eletrônicos protegem, substituem ou amenizam os efeitos prejudiciais dos cigarros convencionais. “Tanto os cigarros eletrônicos quanto os cigarros de tabaco convencionais representam riscos à saúde e não devem ser consumidos pela população. É importante informar a população sobre os riscos dos dispositivos eletrônicos de fumar.”
Alexandre Carlos Vicentini, ex-fumante, compartilhou seu depoimento sobre como se tornou dependente desse produto. “Além das diversas cores e sabores, o pior de tudo é o teor de nicotina presente nesses dispositivos. Isso se tornou um fator de dependência terrível para mim.”
Contra a proibição
Também foram apresentados argumentos pedindo a regulamentação do consumo pela Anvisa e pela venda dos produtos, apontando a redução de danos aos fumantes de cigarro comum, combate à venda de ilegal de produtos irregulares, sem controle toxicológico e de origem desconhecida. A gestora nas áreas de assuntos regulatórios, qualidade e logística Alessandra Bastos Soares defendeu a regulamentação adequada ao consumo de cigarros eletrônicos para que os consumidores que decidiram pelo uso possam fazê-lo em segurança. “Desejo que, no futuro, nenhum cidadão levante o seu dedo em riste acusando a Anvisa de omissão por não ter uma regra adequada para cuidar de um tema que já é tratado como pandemia do Vape”, alertou.
Já o diretor da British American Tobacco (BAT) – Brasil, anteriormente conhecida como Souza Cruz, Lauro Anhezini Júnior, afirmou que consumidores estão sendo tratados como cidadãos de segunda classe. O representante da indústria de cigarros brasileira pediu que as decisões sejam tomadas com base na ciência. “Não é a ciência apenas da indústria, é a ciência independente desse país que também comprova que se tratam de produtos de redução de riscos. Cigarros eletrônicos são menos arriscados à saúde do que continuar fumando cigarro comum”.
O diretor de Comunicação da multinacional Philip Morris Brasil (PMB), Fabio Sabba, defendeu que a atual proibição dos DEFs tem se mostrado ineficaz frente ao crescente mercado ilícito e de contrabando no país. “Ao decidir pela manutenção da simples proibição no momento que o mercado está crescendo descontroladamente, a Anvisa deixa de cumprir o seu papel de assegurar que esses 4 milhões de brasileiros ou mais consumam um produto enquadrado em critérios regulatórios definidos. É ignorar que o próprio mercado está pedindo regras de qualidade de consumo”.
Além de representantes da indústria de tabaco, houve manifestações de proprietários de casas noturnas, bares e restaurantes e de usuários dos cigarros eletrônicos. O representante da Livres, uma associação civil sem fins lucrativos delicada à promoção da liberdade individual, Mano Ferreira, condenou a proibição anterior que não conseguiu erradicar o consumo desses produtos e, ao contrário, impulsionou o mercado ilegal e informal, especialmente entre os jovens. “Uma regulamentação eficaz permitiria não apenas uma fiscalização mais vigorosa, excluindo os produtos mais perigosos do mercado, mas também facilitaria a transição de fumantes tradicionais para alternativas menos nocivas”.
O usuário de vapes Preslei Aaron Bernardo Ribeiro, de 36 anos, garante perceber melhora em seu quadro geral de saúde. “Por 20 anos, fui fumante e utilizei métodos tradicionais, mas não consegui cessar o meu tabagismo. Mas, com o uso do cigarro eletrônico, consegui parar de fumar o cigarro tradicional de uma forma muito eficiente, rápida e fácil”.
A preocupação do presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas, Fábio Bento Aguayo, foi a dominação do comércio desse produto pelo crime organizado, facções criminosas e milícias. “O estado brasileiro deixa de ganhar, deixa de arrecadar recurso [com tributos] para combater essas atividades ilegais. Brigamos pela regulamentação para defender a sociedade para ter um produto que tem a garantia sobre a procedência dele”.
Histórico
Desde 2009, uma resolução da Anvisa proíbe a comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. Porém, produtos ilegais podem ser adquiridos pela internet, em estabelecimentos comerciais regularizados e pelas mãos de ambulantes mesmo com a proibição de venda. O consumo, sobretudo entre os jovens, tem aumentado.
Em fevereiro deste ano, a Anvisa encerrou a consulta pública para que a sociedade pudesse contribuir para o texto sobre a situação de dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. A proposta de resolução colocada em discussão pela agência foi a de manutenção da proibição já existente. Durante a consulta pública, foram enviadas 13.930 manifestações, sendo 13.614 de pessoas físicas e 316 de pessoas jurídicas. Deste total, contribuições de fato, com conteúdo, aos dispositivos propostos pelo texto da consulta pública, foram 850.
Em 2022, a Anvisa aprovou, por unanimidade, relatório técnico que recomendou a manutenção das proibições dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF) no Brasil e a adoção de medidas para melhorar a fiscalização para coibir o comércio irregular, bem como a conscientização da população sobre os riscos destes dispositivos.
O que são
Desde 2003, quando foram criados, os equipamentos passaram por diversas mudanças. Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) envolvem diferentes equipamentos, tecnologias e formatos, tais como cigarros eletrônicos com sistema aberto (onde a pessoa manipula os líquidos a serem utilizados), com sistema fechado (refis padronizados e fechados), com tabaco aquecido (dispositivo eletrônico utilizado com refil de folhas de tabaco), com sistema fechado tipo pod (semelhantes a pen drives), e vaporizadores de ervas, dentre outros.
A maioria dos cigarros eletrônicos usa bateria recarregável com refis. Estes equipamentos geram o aquecimento de um líquido para criar aerossóis (popularmente chamados de vapor) e o usuário inala o vapor.
Os líquidos (e-liquids ou juice) podem conter ou não nicotina em diferentes concentrações, além de aditivos, sabores e produtos químicos tóxicos à saúde, como que contém, em sua maioria, propilenoglicol, glicerina, nicotina e flavorizantes.