Audiência propõe mudanças no controle de entrada, vagas e melhoria da estrutura das prisões

O “Controle da Entrada e das Vagas do Sistema Prisional” e a “Qualidade da Ambiência, dos Serviços e da Estrutura Prisional” foram debatidos na manhã de quarta-feira (09 de julho), durante a audiência pública para construção do “Plano Estadual Pena Justa de Mato Grosso”. O evento, realizado pelo Comitê de Políticas Penais do Estado de Mato Grosso (CEPP-MT), reuniu magistrados, operadores do Direito, servidores, pessoas privadas de liberdade (PPL) e seus familiares, além da sociedade civil organizada para debater propostas de melhorias nas unidades prisionais do Estado.
As manifestações seguiram os quatro eixos do Plano Pena Justa, elaborado a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao todo, 40 pessoas apresentaram reivindicações no tempo determinado de cinco minutos.
“Estamos reunidos aqui para coletar contribuições, ideias e propostas, a partir da escuta qualificada de todos os envolvidos com o sistema penal (magistrados, defensores, Ministério Público, servidores, policiais penais e pessoas privadas de liberdade). Essas informações serão compiladas, organizadas e classificadas conforme os quatro eixos centrais do Plano Pena Justa”, explicou o coordenador do Comitê Estadual de Políticas Penais e coordenador do GMF/TJMT, juiz Geraldo Fidélis.
Os dois primeiros eixos do Plano Pena Justa, Controle de Entrada e Vagas no Sistema Penal (Eixo 1) e Qualidade da Ambiência e dos Serviços (Eixo 2), conduziram a primeira fase da audiência pública.
As principais manifestações solicitaram acesso à educação, oportunidade de trabalho, alimentação de qualidade, melhoria de itens de higiene e limpeza; melhoria da infraestrutura; gestão adequada do cumprimento de penas e outras.
EIXO 1 – Controle da Entrada e das Vagas do Sistema Prisional
Problemas relacionados à superlotação carcerária, à sobrerrepresentação da população negra e ao uso excessivo da pena privativa de liberdade foram destacados por Judenir Feitosa Viana (Vivianny) e Gabriel Agnello Wallauer, duas pessoas privadas de liberdade que participaram da audiência.
Vivianny, como representante da população trans, destacou que a falta de representatividade política dificulta o acesso a direitos básicos da comunidade. “Nós, LGBTQIAPN+ privados de liberdade, enfrentamos tudo em dobro. Já carregamos o peso do preconceito social fora do cárcere. Dentro dele, a discriminação, a violência e o descaso se tornam ainda mais cruéis. Por isso, precisamos de um olhar diferenciado, sensível e comprometido com a nossa dignidade.”
“O que nós pedimos não é muito: respeito à identidade de gênero, oportunidades reais de educação e trabalho e a chance de reconstruir nossas vidas em liberdade, com dignidade e pertencimento”, afirmou.
Gabriel Agnello Wallauer cumpre pena na Penitenciária Masculina de Rondonópolis. Como acadêmico do oitavo semestre do curso de Direito, solicitou mudanças normativas para ampliar o acesso à educação das pessoas que cumprem pena em regime fechado.
“Temos o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM PPL) oferecido em quase todas as unidades prisionais, mas não há continuidade para quem quer ingressar no ensino superior na unidade. Isso é um contrassenso: existe a avaliação, mas não existe a vaga.”
A proposta de mudança apresentada pelo recuperando é que o Poder Judiciário intervenha junto ao Legislativo para propor a alteração do artigo 122 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), tornando obrigatória a oferta de ensino superior nas unidades. A realização da medida, conforme ele, pode ocorrer via convênio com universidades públicas e privadas, com criação de polos de educação superior no sistema prisional.
Um modelo de controle de entrada no sistema penitenciário também foi apresentado pela juíza Edna Ederli Coutinho, responsável pela Central de Regulação de Vagas e Alternativas Penais do GMF/MT.
A magistrada demonstrou, com o projeto Central Integrada de Alternativas Penais (CIAP- Cuiabá), como o aprimoramento das regras contribui para a ressocialização e redução da reincidência.
“A Central Integrada de Alternativas Penais (CIAP) atua diretamente após as audiências de custódia. Quando são aplicadas medidas alternativas à prisão, a pessoa é encaminhada à CIAP. Na central, a pessoa deve comparecer em dias determinados. Lá, ela tem acesso a oportunidades de trabalho, participa de grupos reflexivos e conta com uma rede de apoio. A proposta é atuar na porta de entrada do sistema prisional. Trabalhar com quem cometeu crimes de menor gravidade para não ser necessário ingressar no presídio”, detalhou a magistrada que sugeriu ampliar a política em outros municípios.
“Para fortalecer essa política de prevenção ao encarceramento, minha sugestão é ampliar o número de CIAPs no estado. Realizei um estudo com base no número de flagrantes para indicar os municípios prioritários. Minha proposta é que ainda este ano sejam implantadas unidades em: Várzea Grande, Rondonópolis e Sinop”, concluiu.
EIXO 2 – Qualidade da Ambiência, dos Serviços e da Estrutura Prisional
A inadequação da arquitetura prisional, a má qualidade dos serviços prestados nas prisões, a tortura e o tratamento degradante somado à falta de transparência e de canais efetivos para denúncia são alguns dos problemas identificados neste eixo. A desvalorização dos servidores penais também foi abordada neste tópico.
O juiz da 3ª vara da Comarca de Porto Alegre do Norte, Caio Almeida Neves Martins, falou dos avanços e necessidades enfrentadas pelos recuperandos na cadeia pública da região. A unidade, antes uma delegacia da polícia civil, foi adaptada para receber pessoas do município e de outras três cidades (Confresa, São José do Xingu e Canabrava do Norte).
Com atuais 104 vagas, o espaço, hoje, abriga 140 homens. “Com a ajuda do Conselho da Comunidade, conseguimos alguns ajustes, mas a estrutura não atende à necessidade para ocorrer uma ressocialização efetiva.”
O magistrado também ressaltou a dificuldade de acesso à qualificação e trabalho dos recuperandos.
“A proposta é criar um banco de instituições públicas e privadas para oferta de vagas, seja por Educação à Distância ou cursos técnicos. A unidade também tem presos aptos a trabalhar, mas a tratativa com a Fundação Nova Chance já está há quatro meses estagnada para a contratação dos novos presos. A sugestão é a desburocratização da intermediação junto à Nova Chance para a contratação ocorrer por meio do Conselho da Comunidade”, citou o juiz.
Policial Penal na unidade prisional de Porto Alegre do Norte, Cláudio do Nascimento Brito Kanela evidenciou a faixa etária dos reeducados na unidade e os obstáculos para a ressocialização deles. “Muitos não sabem ler ou escrever. A unidade atual não tem capacidade para uma sala de aula para atender essa demanda de jovens que, em sua maioria, 80%, não chega a 30 anos”.
As condições de trabalho e a necessidade de reconhecimento dos servidores do sistema foram questões apresentadas pela psicóloga do sistema, Eunice Teodora dos Santos Crescêncio. “Nos servidores também precisamos de Pena Justa. É impossível cuidar do direito do outro se o nosso é violado. Não tem como falar de pena justa se não houver recursos humanos para executar. Espero que Mato Grosso seja referência para o país na construção desse projeto”, avaliou a servidora.
O evento trouxe a representatividade social, institucional e diversidade, observando critérios como raça, gênero, identidade LGBTQIAPN+, etnia indígena, além do vínculo com pessoas privadas de liberdade. A audiência pública ocorre no formato híbrido (virtual e presencial).
Os outros dois eixos do Plano Pena Justa tratam das propostas sobre processos de saída e reintegração social (eixo 3) e das políticas de prevenção à repetição do estado de coisas inconstitucional, que serão apresentadas pelos participantes (eixo 4).
Comitê
O Comitê de Políticas Penais do Estado de Mato Grosso é coordenado pelo juiz Geraldo Fidelis, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF/MT), e pelo secretário de Estado de Justiça, Vitor Hugo Bruzulato Teixeira. O grupo tem como atribuição elaborar o “Plano Estadual de Mato Grosso de Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras – Pena Justa”.
A audiência pública compõe o Plano Pena Justa, elaborado a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 347/2023. A Corte reconheceu a ocorrência de violações sistemáticas de direitos humanos nas prisões do país. Na decisão, ficou determinado aos estados a elaboração de planos para combater a situação inconstitucional do sistema carcerário.
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