TJMT Inclusiva aprofunda conhecimentos sobre autismo com capacitações no Estado

TJMT Inclusiva aprofunda conhecimentos sobre autismo com capacitações no Estado

Até os 27 anos, Lorainne Stephanie de Arruda Domingues criou estratégias de camuflagem (masking) para agir conforme as ‘regras’ de convívio social. Com o passar dos anos, a construção de um personagem socialmente aceito desencadeou comorbidades (ansiedade e depressão) na assistente social da rede pública de saúde de Cuiabá.

A partir da intervenção terapêutica, com análise comportamental e histórico de vida, veio então o diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma condição neurológica que gera prejuízos de desenvolvimento. Estima-se que a neurodivergência de Lorainne esteja presente também na vida de quase seis milhões de brasileiros, que por falta de informação e tratamento enfrentam dificuldades sociais no trabalho e no acesso à saúde.

Identificar, tratar e criar estruturas adequadas para que Lorraine e outros milhares de brasileiros com autismo possam se desenvolver, motivou a construção do projeto do Judiciário mato-grossense, “TJMT Inclusivo: capacitação e conscientização em Autismo”.

Idealizadora do evento e presidente da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do Poder Judiciário de Mato Grosso, a desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, reforçou o impacto da iniciativa no Estado.

“As diversas abordagens que tivemos possibilitaram esclarecer pontos importantes, como os níveis de suporte do autismo, como os diagnósticos são feitos, os sintomas e comorbidades, os prejuízos no convívio social. São conhecimentos que vão refletir em todas as áreas profissionais e por isso atingimos o nosso objetivo. O Poder Judiciário demonstra, mais uma vez, que não está aqui só para solucionar conflitos, mas sim para contribuir na integração social”, concluiu a desembargadora, que também é vice-presidente do TJMT.

A conscientização promovida pelo Judiciário atraiu um público de quase quatro mil pessoas, nos municípios de Sinop, Sorriso e Cuiabá. Entre elas estavam Lorainne; Josiane Rodrigues dos Santos (educadora e mãe atípica); Madalena da Silva Reis, (cuidadora educacional); Tatiana Kelly de Araújo (coordenadora pedagógica e de educação inclusiva).

Com papéis sociais diferentes, elas integram a população brasileira que lida diretamente (ou de forma indireta) com barreiras e prejuízos causados pela falta de esclarecimento sobre o autismo.

“Agora, com quase 30 anos, consigo interagir um pouco mais. Faz pouco tempo que entendi o masking, que ainda acontece de forma inconsciente, para me inserir socialmente. Por mais que me reconheça enquanto pessoa autista, não quero ser julgada, ser distratada e nem diminuída”, relata Lorianne.

Ainda que reconheça os prejuízos ocasionados pelo diagnóstico tardio, a assistente social lida com preconceitos gerados pela desinformação. “Claro que essa camuflagem tem um preço. Fico esgotada e preciso de mais tempo para me recuperar”, observa.

Diante do reconhecimento de suas limitações, a assistente social passou a ter consciência de que a manutenção de seu bem-estar é fundamental para conseguir exercer seu trabalho, que é garantir o acesso a políticas públicas e à defesa dos direitos humanos.

“Na saúde falamos muito em integralidade, que é mobilizar os órgãos e diversas políticas públicas para amparar a pessoa com autismo na sua necessidade. Inclusão e acessibilidade não é só uma rampa, uma vaga de estacionamento, é mais do que isso. Fala-se muito em autistas, em crianças e adolescentes, mas parece que as pessoas, quando ficam adultas, deixam de ser autistas. As pessoas têm uma ideia errônea e falam ‘agora tudo é autismo e TDAH, virou moda’. Diante disso, pergunto: na sociedade capacitista que vivemos, quem gostaria de ter esse estigma?”

A partir dessa experiência, Lorainne viu na iniciativa do Poder Judiciário uma provocação para que ocorra uma mudança efetiva. “É importante mobilizações para o conhecimento. Tentar agir para melhor qualidade de vida e inserção da pessoa com autismo. A deficiência não é um problema individual, a sociedade precisa estar pronta para acolher pessoas diferentes”, reforçou.

Mãe atípica – Professora há 20 anos, Josiane Rodrigues dos Santos é mãe atípica de uma adolescente que necessita de suporte nível três. Por lidar diretamente com os impactos sociais gerados pela falta de inclusão da filha de 14 anos, Josiane defende que iniciativas de formação, como a do TJMT Inclusivo, devem ser recorrentes.

“Precisamos provocar a sociedade para criarmos lugares de acolhimento. Como mãe atípica, por mais que pareço conhecer sobre o autismo, percebo que ainda é pouco. Hoje, com a capacitação, vejo que ainda estamos atuando no lugar-comum, superficialmente. Temos que superar essa fase e nos aprofundar nesse conhecimento, para assim evoluir com resultados”, defendeu a professora.

Rede de apoio – A integração da pessoa com TEA ocorre por meio de uma rede de apoio multidisciplinar, que envolve, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e cuidadoras educacionais, como Madalena da Silva Reis.

Há três anos, ela auxilia alunos com deficiência em suas necessidades de mobilidade e aprendizado decorrentes de transtornos. A cuidadora buscou o ofício por curiosidade, para ‘entender um pouco sobre o mundo deles’. Hoje, estudante de pedagogia, Madalena compreende mais sobre as dificuldades da pessoa com deficiência.

“Nosso papel é incluí-los no nosso ambiente, a partir de um olhar diferente”. Com a capacitação, a cuidadora conseguiu reunir informações para melhorar o acolhimento e atenção aos alunos com TEA.

“Nunca tive uma capacitação nesse sentido, o que sabia era muito disperso. Esse momento aqui clareou minha mente, para como agir em situações de crises e qual é a forma correta que devemos nos reportar aos pais”, citou.

Nessa mesma tarefa de integração social e educação, a coordenadora pedagógica e de educação inclusiva da rede Estadual, Tatiana Kelly de Araújo, há 16 anos reforça a importância do aperfeiçoamento profissional e incentiva outros profissionais.

“A qualificação continuada é indispensável para os alunos terem acesso à educação e também para que permaneçam na escola. São vários os fatores que contribuem para a evasão escolar, por isso fazemos uma busca por profissionais, para serem uma rede de apoio que não reflete só na escola, mas no cumprimento de todos os direitos adquiridos”, defendeu a educadora.

A provocação da Justiça de Mato Grosso para falar sobre o autismo foi elogiada pela professora. “Todos os poderes precisam estabelecer um diálogo sobre isso. Quando observamos os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo se unindo para propagar essas ações, conseguimos ter essa visibilidade que estamos vendo hoje. Eles têm capacidade para fazer com que o acesso aos direitos sejam alcançados igualitariamente, a partir de conscientização e divulgação de informações”, avaliou Tatiana.

TJMT Inclusivo – A capacitação e conscientização sobre autismo foi realizada nos dias 24 e 25 de março (Etapas Sinop e Sorriso, respectivamente) e 04 de abril (Etapa Cuiabá), promovendo acesso a informações sobre os direitos das pessoas neurodivergentes, relatos de pessoas com autismo, abordagem educacional e de integração, esclarecimento sobre legislações, benefícios sociais e recursos disponíveis para garantia dos direitos.

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